Chovia.
Lá fora.
E dentro de mim.
Chovia.
A chuva batia fortemente contra a vidraça da janela do meu quarto, o tempo estava escuro, era quatro da tarde e parecia ser oito horas da noite. Eu tinha certeza que os galhos balançavam incessantemente tentando ser mais forte do que a água e o vento que os puxava para todas as direções. O mundo lá fora parecia estar desmoronando, mas o mundo que havia dentro de mim já havia desmoronado há muito tempo.
Um relâmpago cortou o céu iluminando todo aquele aguaceiro, logo depois um trovão mostrou toda sua força e a chuva começou a cair ainda mais forte. Levei minhas pernas de encontro ao meu peito e as abracei, pisquei sentindo meus olhos queimarem pelas lágrimas e um bolo se formar em minha garganta. Eu parecia uma menininha. Mas eu já era um homem feito de 25 anos.
Minha mãe sempre me falava sobre o amor, dizia que as pessoas eram abençoadas por senti-lo, por vivê-lo… Ela conheceu meu pai quando criança e disse que o amou desde o primeiro instante. Eu via o amor dos dois, eles se olhavam como se se pertencessem, como se nada no mundo pudesse afastá-los. Minha mãe o amou até o seu último suspiro, eu tinha oito anos e o câncer estava vencendo a batalha que há algum tempo os dois travavam, ela estava deitada na cama que dividia com meu pai, estava cansada de hospitais, estava cansada de quimioterapia e de cada vez se sentir pior, por isso suplicou ao homem que a levasse para o conforto de seu lar. Meu pai estava ajoelhado ao lado dela, segurando sua mão e eu estava no batente da porta os observando. Ele chorava como um bebê, como se um pedaço dele estivesse sendo arrancado e estraçalhado. Minha mãe olhou para mim e sorriu com doçura, sua voz estava por um fio quando ela disse que me amava e que eu tinha que ser um bom garoto. Ela olhou para meu pai e eu vi tanto amor refletido ali que eu finalmente permiti que as lágrimas que eu tanto segurava, caíssem. Meu pai estava perdendo o seu grande amor e eu estava perdendo a mulher mais extraordinária que eu já havia conhecido. Sentia-me sufocado. Ela disse para ele que o amava mais que tudo no mundo, que ela estava feliz por ele estar ali com ela, que sua vida não seria tão boa se não tivesse o encontrado. Ela pediu um beijo e ele rapidamente encostou seus lábios aos dela, ele lhe disse que a amaria até as estrelas não brilharem mais, até os céus explodirem e as palavras não rimarem. Ela sorriu e com o pouco de força que lhe restava, minha mãe fez meu pai entrelaçar seus dedos aos dela. Eu rapidamente subi na cama e peguei sua outra mão. Meu pai encostou sua testa na dela e vi quando os olhos da minha mãe se fecharam e seu peito subiu uma última vez. A vida havia lhe deixado. Ela morreu com um sorriso suave nos lábios, parecia em paz, parecia estar em um sono tranquilo enquanto meu pai chorava alto apertando a mão dela com força e pedindo que ela não o deixasse. Eu apenas a observava tentando gravar em minha memória cada parte da mulher da minha vida.
Os anos se passaram e quando eu tinha 17 anos eu perguntei para meu pai por que ele não tinha se casado novamente, disse que ele não tinha que se preocupar comigo, que eu aceitaria qualquer mulher desde que ela o fizesse feliz. Ele sorriu e não custou a me responder.
- , meu filho, o amor, em sua forma intensa, a gente só sente por uma pessoa, eu nunca fui capaz de esquecer sua mãe e nunca a esquecerei. Eu não me sinto sozinho, não me sinto vazio, me sinto preenchido pelo meu grande amor todos os dias e isso para mim basta, porque eu não sei se seria capaz de nutrir sentimentos por algum outro alguém.
Eu sempre achei linda a forma de amar de meus pais, mas achei que nunca encontraria um amor tão intenso, eu nunca encontraria uma mulher tão maravilhosa quanto minha mãe foi e nunca seria tão bom como meu pai apesar dele ter me criado para que eu fosse. Nunca pensei que amaria alguém ao ponto de dar minha vida pela dela se assim fosse preciso. E então, eu a encontrei.
era magnífica, meu Deus, seu sorriso fazia com que você sentisse cócegas na barriga, ela era tão espontânea, tão cheia de vida. Eu a conheci em um dia de chuva e veja só, eu quase a atropelei. Saí desesperado do carro, meu coração estava na garganta e meus olhos pareciam querer saltar. Aproximei-me dela rapidamente, ela estava sentada no asfalto com a mão no peito. Perguntei se estava tudo bem e lhe pedi tantas desculpas que quase fiquei sem voz. Mas ela sorriu e disse que a culpa havia sido dela, que ela não tinha visto o carro. Ajudei-a a se ltar e vi que seu joelho e cotovelo sangravam. Fiquei tão preocupado, mas ela disse que estava tudo bem, que era somente um arranhão, porém eu não me tranquilizei assim tão fácil e como eu estava perto de casa eu disse a ela para me acompanhar até lá e me deixar cuidar de seus machucados, disse que estava me formando para ser médico e sabia fazer aquilo, então ela me acompanhou até em casa e eu cuidei de suas feridas após ela ter tomado banho e ter vestido uma de minhas blusas. Sei que parecia estranho eu tê-la levado para minha casa e ainda ter emprestado uma roupa para ela, eu nem a conhecia. Mas eu tinha aquele instinto de ajudar a todos que precisassem de ajuda. Depois de cuidar dos machucados dela, eu lhe preparei uma xícara de chá quente. A chuva continuava a cair sem trégua, naquela altura eu já havia trocado minhas roupas molhadas por secas. Sentei-me na frente dela e começamos a conversar, ela era florista e amava o que fazia, dizia que preferia a companhia das flores à companhia das pessoas. O papo dela era leve e ela gostava muito de rir, ela ria com vontade, seus olhos se fechavam e todos os seus dentes ficavam a mostra. Era a coisa mais linda de se ver. Ela só foi embora quando a chuva já havia cessado totalmente, fiz questão de levá-la até sua casa e trocamos telefones. Quando voltei para meu lar eu mal via a hora de ver aquela mulher novamente e naquela noite mesmo lhe mandei uma mensagem perguntando se estava tudo bem com ela, ela me respondeu e passamos a noite toda conversando e foi assim durante muitas noites.
Apaixonar-me por foi tão fácil quanto respirar, ela era assim, tudo com ela era fácil, descomplicado. Nós nos envolvemos e de repente ela se tornou a alegria da minha vida, eu amava ouvir sua voz, sua risada, amava quando ela se empolgava e desatava a falar, amava quando ela ficava brava por eu ter deixado a toalha sobre a cama, ela franzia o cenho e seus lábios avermelhados formavam um pequeno biquinho, ela discutia comigo e depois eu a amansava sussurrando palavras carinhosas em seu ouvido. Ela me tinha por inteiro, tudo era somente dela.
Eu tinha orgulho de apresentar ela para todo mundo, eu queria dividir minha alegria com o mundo por ter aquela mulher, por eu ter sido sortudo o suficiente para achá-la, por achar o meu amor.

Faltava pouco para eu me formar em medicina e eu quase não tinha tempo para nada, eu vivia cansado e dormindo pelos cantos e quando eu chegava em casa, me cobrava, dizia que se sentia só, se sentia abandonada. Mas ela não entendia que eu estava querendo ter um futuro bom, que eu já estava com o anel da minha mãe pronto e a pediria em casamento assim que me formasse, que iríamos comprar uma casa com o dinheiro que eu ganhasse trabalhando como médico e que eu queria dar um bom futuro para nossos filhos, ela não entendia nada disso, então a gente brigava e eu passei a dormir mais no sofá do que em minha cama. Eu a amava, Deus, como eu a amava, eu sempre estaria ali para ela e lhe dizia aquilo todos os dias, eu lhe pedia paciência, dizia que aquilo ia acabar, que não havia preço que eu não pagaria por ela e lhe dizia que a amava mais do que me amava. Mas nada disso foi suficiente e eu cheguei a pensar que ela me mandaria escolher, ou ela ou a medicina. Com o tempo ela ficou distante e fria, mal nos falávamos e aquilo me doía.
Em certo dia cheguei em casa depois de mais um dia de luta, coloquei as chaves sobre uma mesinha que havia ao lado da porta e caminhei até a sala. estava sentada no sofá e ao seu lado estavam duas malas, ela ltou-se e sua expressão estava séria. Senti meu coração apertar, eu já sabia o que aquilo significava e quando as palavras atravessaram seus lábios, eu me senti quebrar. Ela estava me deixando, o amor da minha vida estava indo embora. Eu implorei para que ela não me deixasse, Deus, eu estava tão desesperado, ela não poderia sair da minha vida, não podia. Mas ela não mudou de ideia, sua expressão nem se alterou quando ela olhou em meus olhos e me disse que não me amava mais, que seus sentimentos agora pertenciam à outra pessoa. Eu me senti desolado e quando ela passou pela porta ela levou com ela todo o meu coração.
Eu não me reconhecia, ninguém ao meu redor me reconhecia e eu não tinha a menor vontade de mudar aquilo. Eu sentia tanta falta de , ela não podia ter me deixado daquela forma, seu amor por mim não poderia ter ido embora, era tão fácil assim deixar de amar? Que tipo de amor era aquele que ela sentia? Eu não o reconhecia porque eu só conhecia o amor que meus pais viveram e o amor que eu sentia por aquela mulher. se foi e levou com ela todas as minhas forças e vontades, ela se foi e sequer olhou para trás. Daria tudo para passar meus dedos pelos cabelos dela antes de dormirmos. Sentia tanta falta de tocar seus lábios, de abraçá-la bem apertado e ouvi-la gargalhar por conta disso. Sempre via nossas fotos, fotos que estávamos sorrindo, outras que simplesmente estávamos ali, gravados para sempre naquele papel. Eu queria ser capaz de deixar todas elas para trás assim como ela fez, porém eu não conseguia. Sei que cometi erros, mas eu sou apenas um homem, um homem que queria lhe dar o mundo e não fui compreendido por conta disso.
Eu estava cansado de sofrer, cansado de me lamentar, eu iria atrás de , se ela me amou uma vez, ela poderia me amar novamente. Vesti meu casaco e saí de casa olhando para o céu enegrecido e implorando para que não chovesse. Cheguei à frente da floricultura onde ela trabalhava e a esperei do outro lado da rua, cinco minutos depois ela saiu, meu coração disparou ao vê-la e a saudade apertou em meu peito. Ela saiu mais cedo do que eu previa e quando me preparei para atravessar a rua, eu vi um homem se aproximando dela. Ela sorriu, aquele sorriso radiante que ela abria toda vez que eu dizia que a amava. O homem a puxou para perto e então a abraçou da forma que eu costumava abraçá-la. Ainda abraçados ele afastou-se um pouco e disse algo que a fez gargalhar, ela gargalhou da mesma forma que fazia quando eu lhe contava alguma piada. Então o homem a beijou, apertando ela em seus braços e a tomando como se ela fosse sua. Não consegui reagir diante aquela cena, dentro de mim sangrava, dentro de mim chovia e eu estava me afogando naquele dilúvio. Os dois sorriram um para o outro quando terminaram de se beijar e puxou o homem para dentro da floricultura quando a chuva começou a cair. Eu fiquei ali parado sentindo aos poucos minhas lágrimas se misturarem com a água gelada que me banhava.
Eu não sei quanto tempo passei caminhando na chuva, mas não me importei com isso, eu andava sem rumo e quando dei por mim, estava na frente da minha casa. Entrei sem me importar em molhá-la e fui para meu quarto rumando logo depois para o banheiro, entrei debaixo do chuveiro e deixei a água quente levar embora todo o frio que eu sentia por fora. Só queria que ela levasse também a frieza que eu sentia por dentro.
Nunca achei que o amor pudesse machucar tanto, que pudesse abrir dolorosas feridas na alma. foi embora da minha vida, mas meu amor não foi com ela e eu sentia que a amaria para sempre e mais um dia e se ela me desse apenas mais uma chance eu não pensaria duas vezes antes de refazer nossos antigos sonhos e nossas antigas vidas.

Well there ain't no luck in this loaded dice
(Bom, não há sorte nesses dados viciados)
But babe if you give me just one more try
(Mas, querida se você me der apenas mais uma chance)
We can pack up our old dreams and our old lives
(Podemos refazer nossos antigos sonhos e nossas antigas vidas)
We'll find a place where the sun still shines
(Encontraremos um lugar onde o sol ainda brilha)
And I will love you, baby
(E eu te amarei, querida)
Always.
(Sempre)

Sempre.

10 anos depois

Levei a caneca branca até meus lábios e sorvi o café quente que estava ali. Observei a paisagem que estendia-se em minha frente, o mar estava calmo naquele fim de tarde e o vento ameno, da varanda da minha casa eu tinha uma bela visão da praia e da imensidão de água azul que sumia no horizonte. Eu amava aquele lugar, amava estar ali e amava os fins de tarde. Ouvi algo apitando dentro de casa e eu já sabia o que era, peguei o aparelhinho que estava em cima da mesa e olhei em seu visor, rapidamente coloquei a xícara sobre a pia e subi para meu quarto para vestir uma roupa mais apresentável, peguei a chave do carro e entrei no mesmo dirigindo rapidamente para o hospital. As coisas estavam movimentadas como sempre, por isso com rapidez vesti um avental e luvas e segui para fora. A ambulância não tardou a chegar, eram duas e eu logo me aproximei da primeira juntamente com outros médicos. Quando a situação era emergencial, qualquer segundo era valioso. A porta da ambulância foi aberta e logo a maca estava sendo retirada, um dos paramédicos me entregou uma prancheta e eu olhei as informações rapidamente enquanto a maca era empurrada.
- Johnson, 31 anos, vítima de um acidente de carro, atravessou o pára-brisa e foi parar em cima do carro que bateu de frente no que ela estava - Um dos paramédicos disse enquanto eu e outros médicos já cuidávamos da mulher. Seu rosto estava ensanguentado e pelo corte em sua cabeça eu temia que ela estivesse com hemorragia cerebral.
- Tenho que levá-la para fazer ressonância, temo que ela esteja com hemorragia cerebral - Eu disse enquanto tirava alguns pedaços de vidro do corte em sua cabeça.
- Tem vidro perfurado em seu tórax, pode ter atingido algum órgão - O chefe da cirurgia geral passou um aparelho de ultrassonografia pelo abdômen da mulher. Seus batimentos estavam caindo e eu sabia se não agíssemos rápido ela poderia não resistir.
- A pressão intracraniana está subindo. Vamos levá-la agora para a ressonância – Dessa vez o chefe concordou comigo e com ajuda levamos a mulher.
Como eu temia, ela estava com hemorragia cerebral que estava ficando extensa. Mandei que preparassem a sala de cirurgia com urgência e fui me lavar.
Entrei na sala e me posicionei mesmo o rosto da mulher ainda não estando totalmente limpo. Seu cabelo já estava raspado e assim que me deram o sinal, eu comecei.
- Bisturi.

A mulher infelizmente entrou em coma, eu não sabia se ela teria alguma sequela ou se demoraria a acordar. Pedi para que um dos residentes em neurologia fechasse para mim e saí da sala, as próximas vinte e quatro horas seriam essenciais para aquela mulher. Deixei ordens para que eu fosse alertado sobre qualquer mudança em seu quadro clinico e fui para casa.

Voltei para o hospital somente no outro dia e já no final da tarde, minha folga havia acabado e eu começaria meu plantão. A Sra. Johnson havia passado por outra cirurgia, dessa vez no abdômen, mas isso não afetou em nada seu cérebro. O acidente foi feio e ela se machucou bastante, mas já vi que é uma mulher de sorte, ela poderia ter morrido na hora e não estar lutando como está agora. Entrei na UTI para checar como ela estava e peguei a prancheta com um dos internos. Olhei para os papeis vendo se suas funções haviam se alterado em algum momento e logo depois olhei para a mulher. Seu rosto estava limpo, mas com alguns machucados, porém isso não me impediu de reconhecê-la. Por um momento achei que meus olhos estavam me pregando uma peça e fiquei realmente na duvida se aquela mulher era mesmo a que eu conhecia. Ela estava diferente, seu cabelo estava curto e também o sobrenome da mulher que namorei era e não Johnson, mas ela poderia ter se casado, o que eu achava bem provável. Para ter certeza aproximei-me dela e tirei o lençol de suas pernas, olhei para trás para ver se alguém estava vendo o que eu estava fazendo e depois olhei para as pernas dela. Meu coração saltou quando vi aquela mancha em formato de coração na lateral do seu joelho esquerdo, um frio tomou minha barriga e eu engoli em seco. Cobri suas pernas novamente e olhei para seu rosto. Dez anos, e parecia que nenhum dia havia se passado. Tudo o que senti por nunca morreu, tentei me envolver com outras mulheres, tentei manter um relacionamento sério com elas, mas tudo foi falho porque eu me sentia vazio, sentia que não poderia dar meu amor para mais ninguém. Ltei minha mão e toquei levemente em seu rosto, sua pele estava um pouco áspera e quente, ela não esboçou nenhuma reação e suspirei, a olhei uma ultima vez e sai do quarto.
- Hannah – Chamei a enfermeira que passava pelo corredor.
- Pois não, Dr. .
- Os familiares da Sra. Johnson já foram notificados sobre seu estado?
- Ninguém foi encontrado, a paciente não estava com celular e não havia qualquer contato em suas coisas. A pessoa que estava com ela no carro morreu no local, seus pais vieram buscar seu corpo hoje pela manhã e quando perguntado sobre os parentes da Sra. Johnson, eles nos disseram que não conheciam ninguém, que na verdade mal a conhecia já que a amizade com a filha não era de longa data.
- O Dr. Rye já notificou a polícia?
- Sim, ninguém foi procurado com a aparência da Sra. Johnson, mas sua foto já está na delegacia e logo estará nos jornais.
- Certo, obrigado, Hannah.
Olhei uma última vez para o quarto onde estava e fui cumprir com minhas obrigações. Saí do hospital e entrei em meu carro seguindo pela avenida principal. Eu havia lembrando onde a mãe de morava, eu vi a mulher poucas vezes, ela e eram muito parecidas e só viviam as duas em uma simples casa. O pai de não havia a reconhecido e a mãe dela não tinha família. Entrei na rua de casas simples e parei o carro, desci do mesmo e olhei para as casas do outro lado da rua. A última vez que eu estive ali, a casa estava pintada de branco, mas a tinta estava descascada em algumas partes. Agora a casa estava pintada de cinza com alguns detalhes em azul marinho, alguns brinquedos estavam espalhados pela grama e o jardim estava bem florido. Franzi o cenho.
- Posso ajudá-lo? - Olhei para o lado e vi uma senhora parada na porta de sua casa.
- Eu estou procurando a Srta. , ela mora nessa casa da frente, não é? - Apontei para a casa.
- Ahh querido - Ela me olhou pesarosa - Helle morreu já faz três anos, estava com um problema no coração - Pisquei atônito.
- ainda mora na casa?
- Ela já não morava há algum tempo, ela se casou e vive com o marido em outro bairro. Não a vejo desde que ela vendeu a casa uns dias depois do enterro de sua mãe.
- A senhora sabe onde posso encontrá-la?
- Não, eu havia ido fazer uma visita a ela, mas a casa onde ela morava com o marido estava desocupada, certamente eles compraram outra em algum lugar.
- Certo, senhora, obrigado.
- Não há de que, querido - Entrei em meu carro e dei partida. Vaguei penas ruas sabendo qual era meu outro destino e logo estacionei na frente da floricultura onde trabalhava, esperava que ali encontrasse respostas.
Saí do carro observando a fachada de tijolos da floricultura e logo entrei na mesma, aproximei-me do balcão e respirei aliviado quando vi a senhora Jasmim atrás do balcão.
- Olá - A senhora me olhou e franziu o cenho.
- Olá, em que posso ajudá-lo?
- A senhora se lembra de mim? Sou .
- Ahh, claro! - Ela sorriu e saiu de trás do balcão - Faz muito tempo desde a última vez que o vi.
- Pois é. Como a senhora está?
- Estou bem, vivendo um dia de cada vez. Posso ajudá-lo? Veio comprar flores?
- Ah não, eu quero uma informação. ainda trabalha aqui?
- Não, ela saiu do trabalho logo depois que se casou, disse que ia fazer faculdade de contabilidade e não teria mais tempo para trabalhar aqui. Uma pena, ela amava tanto flores, se alegrava sempre ao vê-las.
- E a senhora não sabe nada sobre ela?
- Não, ela veio me visitar duas ou três vezes, mas não deixou nem um endereço ou telefone - Suspirei derrotado - Há algum problema? - Ela franziu o cenho.
- Não, faz muito tempo que não a vejo, só queria saber se ela está bem.
- Desculpe não poder ajudá-lo.
- Sem problemas, Jasmim - Sorri - Mudei de ideia, acho que vou levar um buquê de margaridas, elas estão tão bonitas - A senhora sorriu e se afastou.
Todas as minhas opções para saber algo de estavam esgotadas, agora só restava esperar que seu marido entrasse em contato.

Cheguei em minha casa e respirei profundamente o cheiro da maresia. Coloquei minhas chaves sobre uma mesinha que ficava ao lado da porta e tirei os sapatos. Fui até a cozinha e peguei um vaso, o enchi de água e coloquei as margaridas dentro dele. Subi as escadas e caminhei até meu quarto para tomar o banho que eu tanto almejava, minutos depois saí debaixo da água quente e me sequei caminhando até meu closet. Vesti uma boxer e fui atrás de uma camisa qualquer. Puxei uma camisa preta de uma pilha de outras camisas e todas elas vieram ao chão, bufei e me abaixei para pegá-las, ltei-me para colocá-las de volta em seu lugar e me deparei com uma caixa escura no fundo da prateleira. Franzi o cenho e coloquei as camisas de lado, peguei a caixa e abri lembrando instantaneamente do que havia ali. Eu não via aquela caixa desde o dia que me mudei para a casa onde moro agora, para falar a verdade, eu me obriguei a me esquecer daquela caixa e me surpreendia eu nunca tê-la visto ali. Sentei-me encostado em algumas gavetas e retirei as fotos da caixa vendo cada momento que passei com há dez anos. Não sei por que guardei todas aquelas fotos, eram lembranças boas, mas também dolorosas. Acreditem, eu tentei superar de todas as formas que eu pude, eu não sonhava que nos reencontraríamos ou ela voltaria para mim. Mas descobri com o tempo que é aquele tipo de pessoa que deixa marcas profundas em nossa alma, que por mais que tentamos esquecê-la, isso jamais será possível. Observei as fotos por mais algum tempo, depois tampei a caixa, a coloquei no lugar que eu tinha encontrado e sai do closet apagando sua luz.

Entrei no quarto onde estava e observei seus sinais vitais, logo depois coloquei a luz de uma pequena lanterna contra seus olhos. Ela aparentemente estava bem, mas eu não tinha a menor ideia de quando ela acordaria, se é que ela acordaria algum dia. Mais cedo eu havia colocado sobre uma mesinha que havia no quarto o buquê de margaridas que comprei na floricultura da dona Jasmim, margaridas são as flores preferidas de , ou pelo menos eram na época que estávamos juntos.
Os dias foram de passando, não mostrava sinal de que acordaria, seu marido não entrou em contato e eu achava isso estranho porque se eu tiver uma mulher e ela sumisse, eu a procuraria feito louco.
Meu dia de trabalho estava chegando ao fim, fiz algumas anotações no iPad que o hospital disponibilizava para os médicos e o coloquei sobre seu suporte. Tomei o caminho que leva até a lanchonete, não tinha almoçado e estava com muita fome, mas antes de chegar ao meu destino, fui parado pela enfermeira Hannah.
- Dr. , a senhora Johnson acordou - A olhei com surpresa e começamos a andar em direção ao quarto de .
- Quando foi isso?
- Dois minutos atrás.
Entrei no quarto vendo o residente de neurologia ali e me aproximei de . Tentei reagir da forma mais natural que pude e me aproximei dela.
- Olá, senhora Johnson, como vai? - Segurei em sua mão - Aperte minha mão com o máximo de força que conseguir - Ela fez o que pedi e o resultado foi bom. Observei seus olhos com a pequena lanterna e olhei para seus sinais vitais.
- O-o que aconteceu? - Perguntou com a voz fraca. Ela me olhou e franziu o cenho - E-, o que estou fazendo aqui? E-e você? Por que está assim? Diferente? - Olhei para as outras pessoas que estávamos no quarto e voltei a olhar para .
- Você não se lembra do acidente, senhora Johnson?
- Senhora Johnson? - Franziu o cenho em confusão.
- Você lembra como se chama?
- . , por que estou aqui? E por que você está tão diferente?
- E a sua idade? Você se lembra?
- 21 anos - Olhei para Tedd, o residente que estava comigo desde o começo do caso de .
- Qual é a última coisa que a senhorita se lembra?
- Você chegou cansado da faculdade, eu fiz o seu prato preferido no jantar e isso o alegrou bastante, depois você foi tomar banho e quando voltou assistimos televisão. Dez horas fomos para a cama e nós - olhou para Hannah e Tedd e suas bochechas ficaram vermelhas, logo depois ela olhou para mim - Bem, ficamos juntos e dormimos. E agora eu acordei, estou em um hospital e não tenho ideia do porque estou aqui.
Isso acontecia às vezes, pessoas que sofriam algum trauma na cabeça perdiam algumas memórias, com o tempo algumas pessoas as recuperavam, outras não. se lembrava do melhor momento do nosso namoro, antes de todos os conflitos e brigas, quando tudo eram flores e ela se orgulhava de namorar um futuro médico.
Sentei-me na cama de e a olhei.
- Sei que você está confusa e tudo que eu lhe contar agora vai parecer o maior dos absurdos, peço que mantenha a calma e preste atenção em mim - Olhei em seus olhos porque no passado ela me dizia que aquilo a acalmava - Você sofreu um acidente de carro, foi um acidente feio no qual você atravessou o pára-brisa. Seu nome é Johnson, você é casada, mas ainda não conseguimos contatar seu marido. Você tem 31 anos e não 21 e faz dez anos que não nos vemos - Ela me olhou algum tempo como se estivesse absorvendo tudo o que eu disse e no fim sorriu irônica.
- Você está brincando, não é? Você sempre foi brincalhão, mas olha, dessa vez você inventou uma das grandes.
- Não é brincadeira, – Olhei para a enfermeira - Hannah, será que você poderia me arrumar um espelho? - Ela assentiu e saiu do quarto.
- O acidente afetou sua memória - Tedd aproximou-se - Vocês… É… - Eu sabia o que ele queria saber.
- Sim, dez anos atrás fomos namorados, mas depois que terminamos eu nunca mais a vi.
- Eu achei que ela poderia estar inventando, estar confusa, sei lá.
- Aqui está, Dr. - Peguei o espelho da mão de Hannah e o coloquei na frente de .
- Essa é você - Ela observou sua imagem assustada, levou a mão até o rosto e depois até os cabelos. Vi seus olhos encherem-se de lágrimas e esses mesmos olhos me olharam procurando respostas - Eu sei que é difícil, mas faremos de tudo para que você fique bem.
- E-eu vou, recuperar a memória?
- Não sabemos, mas faremos todos os exames para ver se não há nenhum dano grave em seu cérebro.
- É tão estranho - Ela sussurrou. Olhou-me em silêncio por logos minutos e eu não soube o que falar. Hannah e Tedd não estavam mais ali - Eu estou casada, e não é com você. O que aconteceu? Por que não ficamos juntos? Você não me amava mais? - As lágrimas desceram por seu rosto.
Meu Deus, eu estava em uma tremenda saia justa. Eu não a amava mais? Céus, eu sempre a amei, creio que a amei antes mesmo de conhecê-la, ela que não me amou mais, o sentimento dela que foi fraco e se foi, o meu sempre foi forte, persistente. Mas aquela não era a hora de falarmos sobre isso.
- Você tem que descansar, precisamos fazer novos exames logo, depois conversamos sobre o que você quiser, tudo bem? - Toquei em sua mão tentando lhe passar algum conforto e assentiu - O Dr. Rye irá vir vê-la, além da cirurgia no cérebro você também passou por uma cirurgia no abdômen e ele precisa ver que está tudo certo - Ltei-me e ela segurou minha mão, vi em seu rosto um pedido mudo para que eu não saísse e eu queria mais que tudo ficar ali - Vai ficar tudo bem, não se preocupe, mais tarde eu volto para vê-la.
- Você promete? - Olhei em seus olhos lustrosos e confusos.
- Eu prometo.

A semana foi corrida fazendo todos os exames de e tentando encontrar o marido que ela não fazia a menor ideia de quem fosse. Ela estava bem, pelo menos fisicamente falando porque ela ainda não se lembrava de nada que havia acontecido com ela nos últimos dez anos. Ela me perguntou por que a mãe dela não estava ali e eu infelizmente tive que dizer que ela havia morrido. entrou em choque, ficou algum tempo chorando e se acalmou aos poucos. Não tive tempo de falar para ela sobre nós, as coisas no hospital estavam corridas e tive algumas cirurgias importantes. Tedd e Hannah não contaram a ninguém que eu e já tivemos um envolvimento, mas fiz questão de contar para Rye e deixei bem claro que eu e não estávamos mais juntos há muito tempo porque qualquer laço que eu tivesse com ela, me impediria de ser seu médico.
Entrei no quarto onde estava e a observei. Ela estava olhando distraidamente pela janela, seu cabelo estava solto cobrindo a marca deixada pela cirurgia, ela estava pálida, mas seus últimos exames apontaram que estava tudo bem com ela, tão bem que ela já devia receber alta. O problema é saber para onde ela vai, já que perdeu dez anos de sua vida e aparentemente só tinha de família um marido que não se dignou a procurar por ela. Fui notado depois de alguns minutos, sorriu e eu imitei seu gesto aproximando-me dela.
- Como se sente hoje?
- Bem. Minha cabeça não dói, nem quando tento me lembrar de alguma coisa.
- Você tem que ir no seu tempo, não se esqueça - Ela assentiu - Bom, você já está pronta para ter alta - me olhou aflita.
- Eu não sei para onde ir. Será que a dona Jasmim pode me ajudar?
- Eu passei na floricultura dela um dia depois de você vir parar no hospital, ela me disse que não vê você há muito tempo, que você saiu da floricultura para cursar contabilidade.
- Contabilidade? - Franziu o cenho - Eu nem gosto de números. Meu Deus, o que foi que eu fiz com a minha vida? Não tenho amigos, tenho um marido que não se dignou a me procurar e sou formada em contabilidade. Quem eu sou? - Ela me olhou.
- Eu não a via há dez anos.
- Eu o magoei? Isso é bem minha cara - Ela revirou os olhos em direção à janela que outrora olhava e os vi lustrosos.
- Está tudo bem, . Temos que nos preocupar agora somente com você.
- Para onde eu vou? - Sussurrou e olhou para suas mãos. Aproximei-me dela e sentei ao seu lado, toquei em suas mãos e ela me olhou.
- Sei que você está em um momento difícil, não posso nem imaginar como é esquecer tantos anos da vida tão de repente e apesar de não estarmos juntos a bastante tempo, você pode contar comigo. Eu vou dar alta para você já que da parte do Dr. Rye está tudo certo, então você vai para a minha casa comigo - Ela me olhou.
- Eu queria muito dizer que não precisa, mas você é a lembrança mais viva que tenho, você está em toda parte, nesse momento eu só consigo confiar em você. Mas… Você não tem ninguém? Ela não vai se incomodar por eu ir para a sua casa?
- Eu moro sozinho - Sorri de lado - Não cheguei a me casar.
- Ahh. E você ainda mora na mesma casa?
- Não, me mudei há algum tempo, você vai gostar do lugar - Sorri - Bem, vou assinar sua alta.
- Tem um probleminha - Entortou a boca - Eu não tenho nenhuma roupa.
- Vou providenciar isso, a que você vestia no acidente está fora de questão - Sorri para ela e saí do quarto.
Pedi para que Hannah arranjasse alguma roupa para e ela prontamente fez isso. Depois de ter assinado a alta, peguei os pertences de e caminhei até o quarto. Ela estava em pé ao lado da cama, vestia uma calça simples, blusa e uma sapatilha.
- Está pronta? - Ela me olhou sorrindo.
- Sim.
-Aqui estão as coisas que conseguiram pegar no local do acidente - Lhe entreguei sua bolsa marrom - Sua aliança está em um saquinho aí dentro.
Ela tirou seus documentos de dentro da bolsa e os observou, logo depois tirou um vidro de perfume, que não era o mesmo que ela usava há dez anos, o cheirou e enrugou a testa. Tirou uma caixinha de óculos, alguns lenços, uma pequena bolsa e o saquinho que estava a aliança. Tirou a aliança de dentro do saquinho e a observou.
- Paul Johnson. Maio de 2008 - Ela me olhou - Sete anos de casados e ele não procurou por mim?
- Até agora não recebemos nenhuma explicação. Sua foto está no jornal e na internet.
- Não tem nenhuma foto aqui - Ela tirou tudo da bolsa - Não tenho celular?
- Só tiveram tempo de tirar você e sua bolsa, se estava jogado no carro, bem, ele explodiu - Ela arregalou os olhos. Colocou tudo de volta na bolsa e me olhou.
- Nós podemos ir. Você pode sair do hospital agora?
- Meu horário de trabalho acabou. Vamos - Guiei para fora do hospital e logo depois entramos em meu carro.
Ela o tempo todo olhou para fora da janela e comentava uma coisa ou outra, como a mudança nos carros e no jeito de se vestir das pessoas. Estacionei o carro na frente da minha casa e saí do mesmo junto com . Ela olhava encantada para a casa e para os lados. Subi os poucos degraus que levavam até a porta e a abri dando passagem para . Coloquei a chave no lugar de sempre e segui até a sala.
- Nossa, é tudo tão lindo.
- Não é querendo me gabar, mas vem ver meu quintal - A guiei até a cozinha e abri a porta de vidro. respirou profundamente e depois me olhou sorrindo.
- É magnífico - Olhou para o mar que estava agitado naquele dia.
- Está com fome?
- Nossa, que bom que perguntou, porque estou com muita - Me olhou suplicante e eu ri.
- Vou fazer alguma coisa para comermos - Entrei na cozinha e continuou na varanda observando a praia.
Minutos depois estávamos sentados um de frente ao outro na bancada, comíamos um sanduíche e bebíamos suco.
- Podemos falar sobre nós agora? - me olhou e eu pigarreei.
- Tudo bem. O que quer saber?
- Por que terminamos?
- Bem - Eu não queria mesmo reviver aquilo, me sentia nervoso. Mas eu nunca soube dizer não a - Eu estava muito ocupado com a faculdade, não tinha tempo para quase nada e você se sentia muito só, eu me esforçava, mas não era o suficiente. Então terminamos.
- Eu terminei, não é? - Assenti - Não acredito que fui tão egoísta assim, eu simplesmente terminei com você porque você estava se dedicando a uma profissão?!
- Hum, bem, você… Você disse que não me amava mais, que seus sentimentos pertenciam a outra pessoa - Ela abriu a boca, sua expressão era abismada.
Ficamos algum tempo em silêncio. olhava para o mármore do balcão parecendo pensar. - Não dá para acreditar nisso - Ela se pronunciou - Eu amo tanto você - Senti meu coração acelerar e me controlei para não demonstrar nada, estava confusa, eu sabia daquilo, era como se ela vivesse na época de nosso relacionamento - Ou, ou amava. Meu Deus, isso é tão horrível! - Sua voz embargou e ela encostou a testa no balcão.
- Hey - Ltei-me e fui para seu lado, acariciei seus cabelos e ela ltou a cabeça - Eu sei que é ruim, mas você vai lembrar, não se preocupe, apenas descanse um pouco a mente.
- O que vai ser de mim de agora em diante? Não posso ficar aqui para sempre.
- Você pode ficar o tempo que quiser, apenas dê um tempo para si.
- Obrigada, - Ela me olhou com carinho - Você não tinha obrigação nenhuma de estar fazendo isso, eu o magoei. Obrigada por estar me ajudando - Ela me abraçou pegando-me de surpresa. Depois de me recuperar, envolvi sua cintura e a senti intensificar o abraço.
- Não precisa me agradecer, eu só quero que você fique bem.

Ter em minha casa tinha vantagens e desvantagens, a vantagem é que quando eu chegava cansado do trabalho o jantar sempre estava pronto e era sempre maravilhoso, ela também vivia fazendo lanches para eu levar para o hospital mesmo eu pedindo que ela não fizesse. Também era bom ter uma companhia, eu sempre vivi solitário ali, mas agora eu tinha com quem falar, com quem rir e ter aquela mulher depois de tanto tempo longe, era fantástico! A desvantagem era que eu a queria, a todo tempo, todo momento, toda vez que eu a olhava eu a queria. Eu via que também nutria algo por mim, eu sempre a pegava me olhando, ela pensava que eu não via, mas eu sempre via. Infelizmente eu não poderia fazer nada, quando suas memórias voltassem aquele sentimento iriam embora porque a de agora é casada e não me ama mais. Todas as tarde eu ligava para ela para saber se ela estava bem e conversávamos por alguns minutos, ela dizia que gostava de andar pela praia e sentar-se na areia para observar o mar, ela nem via as horas passarem.
Cheguei do trabalho depois de um dia cheio, coloquei minha bolsa em cima do sofá e caminhei até a cozinha. estava encostada no batente da porta que levava até a varanda, seus braços estavam cruzados e ela parecia concentrada no mar. A mesa já estava posta para o jantar e um cheiro bom pairava no ar.
- Boa noite - Ela virou-se e me sorriu fraco.
- Boa noite - Caminhei até a pia para lavar as mãos e as enxuguei em um pano - Vamos jantar? - Assenti e sentei-me à mesa sendo acompanhado por .
Ficamos em silêncio desfrutando do jantar, não comeu muito o que não era normal, ela parecia… ansiosa.
- Está tudo bem? - Lhe perguntei. Ela encostou o garfo no prato, suspirou e me olhou.
- Eu me lembrei de tudo, de cada momento durante esses dez anos. Eu lembrei - Entreabri os lábios a olhando com surpresa - A propósito. Olá, , quanto tempo - Sorriu de lado. Limpei a boca com o guardanapo e cruzei minhas mãos sobre a mesa.
- Olá, . Como aconteceu?
- Eu estava andando na praia como todos os dias eu faço, me sentei na areia e fechei os olhos. Eu não pensava em nada, minha cabeça estava vazia e eu ouvia somente o barulho do mar e do vento, então aconteceu, como se alguém tivesse aberto um baú.
- Você sabe quem é seu marido?
- Infelizmente - Ela revirou os olhos - O maior erro que cometi foi ter me casado, eu achei que amava Paul, mas com o passar do tempo percebi que eu estava completamente enganada, ele só estava comigo por minha beleza, pelo que eu tinha a oferecer carnalmente. É um babaca - Bufou - Já não estávamos bem há algum tempo, eu dei um basta no nosso casamento. No dia do acidente eu havia acabado de assinar os papéis do divórcio na casa onde morávamos, juntei todas as minhas coisas e fui embora. Eu estava com Lívia, minha amiga - Suspirou - Ainda nem acredito que ela morreu. Estávamos indo para a casa dela, era a única amiga que eu tinha, a única família. Eu não sei por que ainda estava usando a aliança, estava tão nervosa que me esqueci de tirá-la. Dentro do carro eu e Lívia estávamos comentando sobre o divórcio, Paul estava me ligando para falar sobre nossa conta conjunta, sobre tudo o que eu tinha que levar já que casamos com comunhão de bens. Eu estava irada, por isso joguei o celular pela janela. Quilômetros depois aconteceu o acidente, um carro em alta velocidade entrou na nossa pista e aí você sabe o que aconteceu - Tentei me focar em tudo que disse e não apenas no fato dela estar separada - Eu trabalho em um escritório de contabilidade, nessa altura nem sei se ainda tenho um emprego, mas não me importo muito, fiz contabilidade por causa do Paul, meu sonho mesmo sempre foi…
- Abrir uma floricultura - Eu disse e ela sorriu.
- É, eu amo tanto as flores, fui tão tola por ter me entregado a esse casamento e fazer todas as vontades de Paul.
- Ele é o cara que estava com você na floricultura? - Ela me olhou interrogativa. Mordi o lábio meio incerto - Eu fui na floricultura uns dias depois de terminarmos, queria falar com você, mas a vi com um homem - olhou para seu prato.
- Era ele sim, me desculpe.
- Você não tem que se desculpar, já faz muito tempo.
- Paul foi o meu castigo por ter magoado alguém tão especial quanto você.
- Você não tinha obrigação nenhuma de ficar comigo, .
- Você é tão especial, - Ela tocou em minha mão - A pessoa mais especial que cruzou o meu caminho, me arrependo tanto de ter sido tão egoísta, de não entender seus horários, suas faltas, olha para você agora, trabalha em um bom hospital, tem um dom incrível, meu Deus, você salvou minha vida! Disseram-me que se você não tivesse agido rápido, eu teria alguma sequela ou não estaria com você agora. Eu não sei nem como agradecer, tanto por você ter salvado minha vida como por você ter me dado um abrigo, mesmo sem me ver há anos você não pensou duas vezes antes de me ajudar, não é qualquer pessoa que faria isso e eu sempre serei grata a você - Seus olhos estavam lustrosos, ela acariciava minha mão ternamente e me olhava com ternura.
- Esse é quem eu sou.
- Eu sei - Ela sorriu de lado - E eu tenho muito orgulho de você, sempre tive.

No dia seguinte levei até seu trabalho, esperei pacientemente ela conversar com sua chefe. Depois de alguns minutos ela voltou dizendo que não havia perdido o emprego já que mostrou para a mulher que havia sofrido um acidente e tido perda de memória. não parecia muito feliz com seu trabalho, mas não a questionei. Ela me disse que iria procurar um lugar com urgência para ficar e eu lhe disse para não ter pressa, não era sacrifício nenhum tê-la comigo. Eu continuava a ligar do trabalho para saber se ela estava bem e ela sempre parecia muito feliz com toda a atenção que eu dava a ela. De noite continuávamos a jantar juntos e passávamos alguns minutos na varanda observando a noite. Antes de dormir nos dávamos boa noite e seguia cada um para seu quarto, o dela era ao lado do meu e antes de pegar no sono eu sempre estava pensando nela.
havia ido ao hospital para fazer alguns exames, saber se estava tudo bem com sua cabeça e com seu tórax, ela estava indo ótima, a cicatrização dela era excelente e não sentia dores.
Eu andava pelo corredor branco do hospital em direção à enfermaria, anotava meus últimos exames no iPad e ouvia a conversa ao redor. Ltei a cabeça quando reconheci a risada de e reparei que ela conversava com um dos médicos, na verdade era o famoso “doutor gostosão”, as enfermeiras e médicas o chamavam dessa forma e eu tenho que confessar que elas tinham razão, o cara era um tremendo boa pinta, fora que era o médico mais bem pago do hospital. gargalhou e o médico bonitão a tocou no braço, deu para perceber que ela corou com o ato e pareceu gostar muito dele. Suspirei e dei meia volta, eu não tinha nada a ver com aquilo, não era nada minha e pelo visto nunca mais seria.

Eu estava na praia, havia parado em um lugar antes de chegar em casa e resolvi ficar um pouco lá para pensar na vida. Eu já estava perto dos quarenta e nunca consegui realizar o sonho de ter filhos, sempre quis ter quatro, não importa se fosse menino, menina ou variado, e claro, queria ter uma mulher, casar com ela e passar o resto dos meus dias ao seu lado. Eu deveria ter me dedicado mais a outras mulheres que não fossem , eu deveria ter me permitido mais, mas agora é tarde para arrependimentos.
A lua já havia tomado conta do céu quando cheguei em casa, coloquei minha maleta sobre o sofá e antes de dar qualquer passo apareceu em minha frente.
- Onde você estava? Você está bem? - Ela aproximou-se de mim rapidamente e tocou em meu rosto. Franziu o cenho.
- Eu estou bem sim.
- Procurei você no hospital para me despedir, mas não o encontrei e agora você chegou tarde, o jantar está frio.
- Eu estou bem, não se preocupe. Você jantou? - Ela negou com a cabeça.
- Estava esperando você.
- Você não precisava ter me esperado.
- Mas eu esperei. Vem, vamos comer - Ela segurou em minha mão e me puxou até a cozinha.

Ajudei com a louça e depois fui para meu quarto, tomei um banho frio para amenizar o calor e vesti apenas uma boxer e um calção. Sentei-me em um puff na varanda do meu quarto e abri um livro sobre um estudo do cérebro. Ouvi uma batida na porta da varanda e virei o rosto vendo ali.
- Hey - Sorri.
- Olá - Ela aproximou-se e sentou-se ao meu lado fazendo com que metade de nossos corpos ficassem grudados um no outro - Estou o atrapalhando?
- Não - Fechei o livro - Estava apenas esperando o tempo passar para ir dormir. Amanhã é minha folga por isso não preciso dormir cedo.
- E médico tira folga?
- Mais do que você imagina.
- Sabe do que eu estava lembrando? - Eu a olhei interrogativamente - Do dia que você me levou para patinar - Gargalhei lembrando-me da cena - Não ria, até hoje eu tenho uma cicatriz na perna!
- Céus, você era um desastre, até as criancinhas de quatro anos patinavam sem cair e você não poderia se quer dar um passo.
- Não tenho culpa se eu nunca tinha feito aquilo - Deu de ombros.
- Eu também não era nenhum profissional e me dei bem.
- Isso não é novidade, você se dá bem em tudo na vida.
- Nem tudo - Dei de ombros. Aquilo não foi uma indireta, pelo menos não a meu ver. me olhou e logo em seguida suspirou. Voltou a olhar para frente observando o mar.
- Eu sempre quis ter filhos, eu falei isso durante o nosso relacionamento, não é?
- Falou tanto que em um determinado momento eu achei que você estivesse grávida - Ela riu.
- E isso teria sido um problema?
- Nenhum pouco, eu também sempre quis filhos.
- Pelos menos quatro, você dizia - Nós rimos - E eu concordava porque eu também era filha única e sabíamos que nossas vidas seriam diferentes se tivéssemos irmãos, seríamos menos solitários. Paul nunca quis filhos, ele detestava crianças, como se nunca tivesse sido uma - Revirou os olhos - Mas no fim foi ótimo que não tivemos filhos, ele não era a pessoa certa, nunca foi. Mas você - Ela suspirou e sorriu fraco - Por que os jovens são tão tolos? Deveria ser lei de quando sermos jovens nosso eu com trinta anos nos fazer uma visita para nos alertar de todas as burradas que cometeremos, a maior que cometi na vida foi ter deixado você. Eu não tenho palavras para descrevê-lo, , você é tão único, ainda não consigo acreditar que fui tão egoísta, meu Deus e tudo pelo quê? Por atenção, sendo que mesmo cansado você ficava comigo toda noite me abraçava forte, quando eu acordava o café da manhã estava pronto e posto sobre a mesa. Eu sei que já faz anos, mas quando vi você, nossa! Eu com a amnésia sentia todo o amor que senti por você quando estávamos juntos e mesmo quando a amnésia passou, eu me pegava olhando você por minutos, imaginando como teria sido nossa vida juntos, acho que moraríamos aqui e nessa altura já teríamos dois filhos e eu sei que eu seria muito feliz. Eu juro que se eu pudesse consertar as coisas, eu faria tudo completamente diferente - Abri a boca, mas não consegui dizer nada porque não sabia o que dizer. Eu queria falar tudo, queria dizer que ainda a amava porque ela é inesquecível, que eu também imaginei toda uma vida ao seu lado, que eu ia a pedir em casamento e tenho o anel guardado até hoje. Mas eu não disse - Você deve estar me achando uma louca.
- De jeito nenhum - Segurei em sua mão - Você só está dizendo o que sente, isso não é loucura. E bem, já que você disse tudo isso… Eu ia pedi-la em casamento - Ela me olhou como se não entendesse - Depois que eu me formasse, eu ia pedi-la em casamento, o anel da minha mãe já estava guardado pronto para ser entregue a você - Ela me olhou abismada e piscou lentamente - Mas então tudo aconteceu.
- Não acredito - Levou a mão até a boca - Você iria mesmo fazer isso?
- Claro, você era muito especial para mim, eu imaginava uma vida ao seu lado, queria levá-la para a vida toda.
- E aí eu fui lá e estraguei tudo - Disse irônica. Naquele momento percebi que nossos dedos estavam entrelaçados e firmemente juntos - Isso era tudo o que eu mais queria, - Suspirou - Quando eu terminei com você, eu menti sobre meu argumento, eu ainda não amava outro, eu amava você, mas eu queria magoá-lo, queria que você fosse atrás de mim e não sossegasse até me ter de volta.
- E eu fui, só que você estava com outro então eu realmente acreditei que você não me amava mais.
- Eu fui tão estúpida - Bateu em sua testa com a mão livre. me olhou e apertou sua mão na minha - Eu não quero que você duvide jamais do meu amor, eu amei você mais do que amei a mim e eu nunca esqueci você, , me perguntava se algum dia nos veríamos novamente, como você estava, se era um bom médico, se não fiz um estrago muito grande em sua vida…
- Você não o fez - A interrompi e acariciei seu rosto. Sua pele estava macia e morna. Vi seus olhos vacilarem como se quisessem se fechar - Você foi tudo para mim - Sussurrei e quando dei por mim minha testa estava colada à dela. levou a mão até minha nuca e começou a acariciar meus cabelos como sempre gostou de fazer - Creio que ainda é tudo para mim - Ela sorriu de lado.
- Você também sempre foi tudo para mim, , e se você me der a chance de consertar meus erros eu vou fazer cada minuto valer a pena - Eu seria louco se não desse essa chance ao amor da minha vida.
Aproximei-me de e toquei seus lábios com os meus. A saudade que eu sentia dela estava toda ali, estampada em cada ato meu, no meu abraço forte, no meu beijo intenso, no meu aperto no corpo dela…

Bom, o fim dessa história foi feliz. Nós nos casamos naquele ano. No meu aniversario de 36 anos nasceu nosso primeiro filho, Jack. Uma semana antes de Jack fazer um ano, Emily deu as caras, não no ultrassom e sim pessoalmente, eu e fomos rápidos. Um ano depois abriu sua floricultura perto de onde morávamos, ela estava tão feliz. Dois anos depois de Emily ter nascido vieram Nicholas e Lola. decidiu que pararíamos por aí, mas devido à falha em seu remédio, um ano depois Sophie veio para alegrar ainda mais nossas vidas. Dessa vez operou e fechou a fábrica de vez e só para termos certeza de que não faríamos mais nenhuma criança, eu também operei.
Nossa vida não foi nenhum conto de fadas, mas conseguimos vencer todas as bruxas que cruzavam nosso caminho e no fim percebemos que o para sempre realmente existia para nós.

And I will love you, baby
(E eu vou te amar, querida)
Always
(Sempre)
And I'll be there, forever and a day
(E estarei aqui, para sempre e mais um dia)
Always
(Sempre)



Nota da autora: (30.12.2015) Mano! Ufa, foi por pouco, quase que não consigo terminar essa fic para mandar no dia e veja bem, o último dia era 26 e tchanãããããã!!! A pessoa quase manda ela nos 46 do segundo tempo. Enfim. Amo essa música <3 canto loucamente e vejo na expressão do meu gato um olhar de desespero, mas fazer o que, não é? Eu não tinha um script definido dessa fic, tanto é que esse fim foi puro enroletion, já estava entrando em desespero sem saber o que escrever, por isso se saiu muito bosta, sorry. Eu poderia ter acabado essa fic antes de ocorrer os 10 anos, tentei deixá-la o máximo possível parecida com a tradução de Always. Mas finais infelizes realmente não são comigo. A vida todos os dias nos dá tapas na cara, nos mostra que ela é tão dura, por que as fics tem que fazer isso também se elas existem justamente para nos tirar da realidade? Nananinanão!!! Bem, quem tiver gostado deixe um comentariozinho ai em baixo e quem não tiver gostado, deixe um também, faça caridade, ano novo vida nova, “seje” uma pessoa melhor. Sem mais blá, blá, blá até mais people!
PS.: Espero que eu não tenha feito cagada ao descrever as situações médicas, apesar de ser viciada em Grey’s Anatomy (ASSISTAM ESSA SERIE), eu não sou lá a pessoa mais inteligente do mundo em questão de “saúde”.

Minhas outras fics:
- Um lugar seguro para cair – Outros/Andamento (/ffobs/u/umlugarseguroparacair.html)
- O preço da traição – Outros/Finalizada (/ffobs/o/oprecodatraicao.html)
- Scars – Especial dia do médico/Finalizada (/ffobs/s/scars.html)
- Contos de verão – Especial verão/Finalizada (/ffobs/c/contosdeverao.html)
- After midnight (Depois da meia noite) – Outros/Finalizada (/fobs/a/aftermidnight.html)
- Minha salvação – Outros/Finalizada (/fobs/m/minhasalvacao.html)

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